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Ele jogou a Copinha pelo São Paulo, virou ídolo em Angola e ajuda ONG: 'Foi um choque de realidade' 5e726e

Longe do glamour do futebol europeu e até mesmo da América do Sul, Tiago Lima Real, ou simplesmente Tiago Azulão, é um dos atacantes mais conhecidos do Girabola – o Campeonato Angolano de Futebol. Atuando pelo Petro de Luanda, o brasileiro já foi duas vezes artilheiro do campeonato, marcando 71 gols em 115 partidas.

Porém, há 12 anos atrás, quando o São Paulo o contratou para ser jogador das categorias de base, os sonhos eram bem diferentes do de hoje. Tiago começou a sua carreira nas escolinhas do Ceret, no Tatuapé (na zona leste da capital paulista), e recebeu o apelido “Azulão”.

“Um dia fui jogar todo vestido de azul. Aí, o pessoal começou a brincar – me chamando de azulão, e o apelido ficou”, afirma o jogador.

Aos 14 anos, a Portuguesa lhe fez o convite para fazer parte do time de base. Mas, em pouco tempo na Lusa, a diretoria do clube mudou – e o menino foi junto com os antigos cartolas para o Boavista.

“Lá eu joguei com Paulinho, do Corinthians e da seleção, e o Maikon Leite, ex-Palmeiras. Eu cheguei a fazer uma excursão com o Pequeninos do Jóquei para Europa, fizemos quatro torneios e eu marquei 57 gols! Pode acreditar! ”, conta sorrindo Azulão.

“Logo depois disso, eu fui mandado para o São Paulo, o Maikon Leite para o Santo André e o Paulinho para o Pão de Açúcar. O ruim era que o que o clube ficava em Barueri e era longe porque eu morava na Zona Leste. Depois, morei no alojamento e fique por lá dos 15 anos até os 19”.

Mal sabia Azulão, mas a amizade com Paulinho seria de longa data. De férias em 2017, o jogador encontrou o amigo, que na época jogava no Barcelona, na Catalunha.

“Nossas mães são muito amigas. Aí lá na Espanha eu fui muito bem recebido por todos. Assisti uma partida deles contra o Sporting, pela Champions League, e nos bastidores conheci o Messi. Pedi pra tirar uma foto e publiquei logo na sequência”, afirma o brasileiro.

“Eu fiquei muito nervoso. Mas não me importei. Não é muito comum um jogador pedir foto para outro atleta, mas com o Messi é diferente”, confessa Azulão.

Os bons tempos no São Paulo 6r5a57

No São Paulo, Azulão participou de torneios como a Dallas Cup, quando enfrentou Real Madrid e Chelsea.

“Eu era atacante reserva do time que foi vice da Copa São Paulo de 2007, na qual perdemos para o Cruzeiro. Tínhamos o Bruno Cesar, Sergio Motta, Breno e Aislan. Muitos deles subiram para o profissional”, afirma o jogador.

Como o clube vinha de um tricampeonato brasileiro (2006, 2007 e 2008), era muito difícil para um jovem subir ao time principal, que era recheado de atletas renomados.

Por este motivo, Azulão resolveu romper o seu contrato e tentar seguir voo em outros times.

Os voos do Azulão 1182x

Tiago Azulão rodou por Social-MG, Madureira-RJ e Gaziantepspor, da segunda divisão do Campeonato Turco. Em 2012, Azulão chegou à Malásia para defender o Johor FC. O atacante ficou maravilhado pelo que o país poderia lhe oferecer. Entretanto, um problema com as regras da liga o impossibilitou de atuar.

“É um lugar sensacional. A capital é ótima para se morar e o futebol está crescendo. O clube é referência na Ásia. Eu cheguei, assinei, e treinei por mais de dois meses. Faltando 15 dias para estrear, me disseram que não poderia jogar”, confessa.

“As regras locais só autorizavam atletas vindos da primeira ou segunda divisão de outros lugares do planeta. Eu tinha vindo do Oeste, que estava na Série D do Brasileirão e não poderia entrar em campo”, completa.

Com a frustração na Ásia, o atacante voltou ao Brasil e voltou a rodar pelos clubes no interior do Brasil. Na Caldense, Azulão foi vice do Campeonato Mineiro de 2015, perdendo na decisão para o Atlético-MG. Apesar da derrota, mineiro lhe rendeu um convite no futuro: Atuar na distante e desconhecida Angola.

As glórias angolanas 69255h

Indicado para o Petro de Luanda por um antigo preparador de goleiros da Caldense, Azulão ia contrato com o Mogi Mirim, mas mudou de ideia. Casado e com uma filha, ele deixou os preconceitos de lado e foi para uma terra pouco estudada e noticiada no Brasil.

"Da África, a gente não tem referência de nada no nosso país. Eu só sabia de pobreza e animais selvagens. Mas quando você chega, vê que não é assim. Tem as dificuldades, mas não é na dimensão que as pessoas imaginam”, relata o atacante.

“Os jogadores têm uma condição boa e vivem muito bem aqui. Achamos todos os produtos do Brasil e ainda tem praia. O idioma é igual e as referências de televisão também. Eles assistem aos mesmos canais que a gente. O clima é tropical e faz calor o ano todo. Eu me senti em casa”, completa.

O que também surpreendeu o brasileiro em Angola foi o fascínio e alegria dos torcedores pelo Petro de Luanda. Azulão diz que não esperava encontrar uma população tão ligada ao esporte.

“Eu virei ídolo no primeiro ano e fomos vice-campeões por dois anos seguidos. Eles são muito apaixonados, é comum ter carreata do aeroporto até o hotel. Em jogos eles lotam os estádios e sobem em muros ou árvores para verem o jogo quando não tem lugar. São mais tranquilos no dia a dia, te cumprimentam, mas não são todos que vão te abraçar ou pedir foto. Eles te respeitam”, diz o jogador.

Trabalho social 1q1k6z

Com três anos de Angola, o atleta começou a se interessar não somente pelo futebol local, mas também pela sociedade. Nos últimos meses, o atacante foi a uma ONG local, coordenada por brasileiros, para a entender a real situação da Angola.

O país africano convive até hoje com os reflexos de uma cruel guerra civil que durou 28 anos – e que deixou milhares de mortos e propagou a fome e a miséria.

“Mexeu muito comigo. É muito comum as comunidades aqui não terem saneamento básico ou asfalto nas ruas. Acaba muito a luz e as dificuldades são rotineiras. Além disso, a realidade das cidades afastadas de Luanda é ainda pior”, relata Azulão.

“As pessoas moravam em casa feitas de chapa de metal, sem banheiro ou água potável. Imagina o calor. Eles só tinham uma lona e dormiam no chão. Quando você vê isso, você entende muita coisa. Fui com a minha filha e a minha esposa. As crianças eram evangélicas e agradeciam orando pelo pouco que elas tinham, seja um lanchinho ou a casa. Elas brincavam e riam, mesmo naquelas condições. Isso me fez refletir demais sobre o quanto a gente não é grato por tudo que tem. Foi um choque de realidade para mim”.

“As pessoas pedem dinheiro e algumas estão com problemas mentais devido a doenças daqui. Andam na rua pelados e não comem. São cenas que não estamos acostumados a ver”. Conhecendo o país em que vive atualmente, Azulão continua fazendo seus gols e ajudando o Petro de Luanda. No ano ado, ele conseguiu ajudar o clube a chegar a CAF, a Sul-Americana da África e, no próximo ano, o jogador conseguiu levar o clube a glória de jogar a Champions da África pela primeira vez na história.

Apesar disso, como um bom mochileiro, Azulão não sabe qual será o seu próximo destino.

“Tenho mais um ano de contrato, estou feliz, mas não acomodado. Tenho esperança de ir para um mercado que seja bom financeiramente para mim. Já estou em outra fase da carreira e preciso mudar a vida da minha família. Caso isso não apareça, vou cumprir o resto de contrato feliz”, conclui Azulão.