Não fossem a educação e o futebol, provavelmente Paulo César Fonseca do Nascimento não teria vencido na vida, muito menos ter ganho dinheiro suficiente para formar sua família com dignidade. 6r4o31 Nascido e criado até os 15 anos de idade, o garoto levou o nome de sua comunidade para o Brasil e para o mundo. Filho de um bairro onde seus anteados foram jogados há décadas como animais, Paulinho conseguiu quebrar a triste estatística da criminalidade carregando literalmente o nome de sua quebrada no nome. Tinga é o mais puro exemplo de que há vida e esperança na favela. Ele confessou que participava de churrascos bancados pelo traficante do bairro. Para a maioria das crianças como ele, o criminosos, que comprava a comunidade com festas e muita comida, era referência de sucesso, fama e dinheiro. É assim até hoje. “Eu via aquele cara com tênis da moda, carrão e mulheres bonitas. Claro, eu e meus amiguinhos queríamos ser ele”, confessou Tinga. Um dia, ele contou esta mesma história para o tetracampeão mundial Dunga. Hoje, os dois realizam ações no bairro da Restinga. Por intermédio da ACM de Porto Alegre e do Projeto Esporte Clube Cidadão, atendem a mais de 600 crianças e adolescentes há 18 anos. Na entrevista exclusiva à ESPN, o ex-jogador tricampeão da Libertadores contou, com detalhes, como é o bairro que já teve alto índice de criminalidade e que, há décadas, continua esquecido e escondido pelo poder público.  Retribuição e gratidão 5622uNos 20 anos de futebol profissional, Tinga começou a ganhar dinheiro quando subiu da base do Grêmio, mas logo foi influenciado por Dunga para que olhasse com carinho para a comunidade onde estão as raízes de sua família. Assim começou, fora de campo, uma parceria com um aposentado e um novato da bola. Na Restinga, desde 2001 eles desenvolvem o Projeto Esporte Clube Cidadão, tocado também pela ACM e pela assistente social Bernadete Maria Franco Cunha. O Projeto mudou muitas vidas nas quase duas décadas de existência, mudou também a cabeça, o coração e a alma do mais ilustre filho da terra.  Um padrinho de respeito 3u5neSumido? Pelo contrário. Dunga anda mais ativo do que nos tempos do tetracampeonato nos EUA ou até mesmo no comando técnico da seleção, muito mais útil e produtivo para a humanidade do que em qualquer outra época. Embora faça parte das mais variadas ações sociais há quase três décadas, o amigo e vizinho de Tinga tem feito a diferença quando o assunto é terceiro setor, ainda mais durante a pandemia. Além de capitanear e dar o seu nome ao Projeto da Restinga, Dunga tem colocado o bloco na rua para servir a população de Porto Alegre. Fotos e vídeos mostram aquele cara sisudo, que todos conhecem no futebol, docemente entregando cobertores e comida para os moradores de rua da capital gaúcha.   O ônibus do saber e contra a fome 3k6k69Para quem estudou apenas até a quinta série do ensino básico e só voltou à escola aos 38 anos, depois que se aposentou do futebol, Tinga tem uma cabeça diferenciada, com um olhar inovador e muito responsável quando se fala em engajamento social. Sempre querendo se reinventar, o ex-jogador lançou, no início do ano, o seu mais novo xodó de suas ações sociais. Influenciado e com participação financeira de muitos amigos empresários, inclusive do Dunga, Tinga vendeu um de seus imóveis e comprou um ônibus para fazer do veículo um inimaginável transporte de sonhos. Investiu pesado em um ônibus-biblioteca. Mas, não é só isso. Segundo ele, não tem como levar educação e conhecimento a barrigas vazias. Assim, além de levar livros, o veículo distribui marmitas a crianças e adolescentes da Restinga e também a desempregados e moradores de ruas nos fins de semana em Porto Alegre. Nasceu o projeto "Fome de Aprender". Na contramão da pandemia, contratou cinco funcionários para servir leitura e comida no ônibus encantado. O incrível é que, com essa história, Tinga uniu, sem querer, dois rivais da bola. Os técnicos Dunga e Tite participaram diretamente do sonho do ex-menino pobre do extremo da zona sul da capital gaúcha. Tite, por exemplo, quando ficou sabendo do projeto do ônibus, chamou Tinga em um encontro no Rio de Janeiro e colaborou com generosos R$ 60 mil para que ele concluísse a fabricação da cozinha ambulante. O empreendedor social precisava de metade deste valor, mas o técnico da seleção fez questão de contribuir com o dobro, ajudando não só a criar mas a manter a causa.  Um não para a política 2z4250Os quase 20 anos também dedicados ao terceiro setor fizeram com que Tinga criasse uma marca, por tudo que fez e por mais que vem fazendo em suas ações sociais. Tornou-se um símbolo social, mais conhecido, claro, pelos gaúchos. Seu currículo e sua imagem são tão respeitados que, vira e mexe, alguém aparece para pedir uma palestra, um conselho, enfim, algo que ele possa acrescentar a respeito. Foi assim que, no ano ado, o ministro da Cidadania, Onyx Lorenzoni, o convidou a ir a Brasília para assumir a Secretaria Nacional do Futebol. O filho da Restinga foi à capital e se reuniu com o ministro, mas não aceitou o convite. Segundo Tinga, o negócio era muito grande para ele. A área política não está nos planos de Tinga. Ele diz que tem compromisso com os negócios pessoais e que deles dependem o sucesso das ações sociais. São muitas crianças e adolescentes que dependem dele, muito mais do que uma pasta para cuidar do futebol nacional.  Um mundo ideal 5p58dTinga sabe que suas ações sociais não vão resolver o problema do mundo, muito menos das crianças e adolescentes do subúrbio de Porto Alegre. Mesmo assim, sabe que, se todo mundo ajudasse, a fome e a falta de uma educação dignas estariam erradicadas no Brasil. Para ele, o mundo ideal não é servir todos os dias entre 250 e 300 refeições, muito menos levar uma biblioteca aqueles que nunca tiveram o a bons livros. Para ele, o mundo ideal era o Estado não deixar essas brechas, é obrigação dos órgãos governamentais dar o mínimo de dignidade às pessoas necessitadas. É o depoimento de um cara que aprendeu nos livros o sentido da vida. O depoimento é de um cidadão que sabe que suas ações sociais são um caminho sem volta, até por que muita gente conta com esses compromissos que ele assumiu com os menos favorecidos.  Convivendo com o racismo 382k12Tinga não entende como um ser humano pode ser tão cruel com o seu semelhante. Em 2014, quando ainda atuava pelo Cruzeiro, num jogo contra o Real Garcilaso, do Peru, ele foi vítima dessa crueldade. Entrou em campo no segundo tempo e, toda vez que pegou na bola, os torcedores peruanos faziam barulho imitando macacos. O ato insano e brutal gerou uma comoção no Brasil com campanhas contra o racismo por causa do triste episódio. Tinga, que jogou por anos na Alemanha, disse à época que nunca havia sofrido tamanha agressão e que, se pudesse, trocaria todos os títulos na carreira por um mundo sem preconceito e igual para todas as raças e classes. Ele só não imaginava que o seu filho mais velho, de 12 anos, asse por um momento como o que ele viveu. O episódio aconteceu quando a esposa dele, italiana, foi com seus dois filhos a um supermercado dentro de um shopping de Porto Alegre. O depoimento é uma prova de que estamos realmente doentes e muito longe de uma tão sonhada cura contra o racismo.
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